quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Planeta Alice das Maravilhas

Em suas aventuras interplanetárias o pequeno príncipe acabou conhecendo o planeta de Alice.

A amistosa camaleoa era a pessoa grande que mais se parecia com o pequeno viajante, jamais desistia de uma pergunta uma vez que a tivesse feito. Assim como o Petit Prince, não entendia as motivações obsessivas do homem de negócios, do bêbado, do geógrafo, do acendedor de lampiões, do monarca ou do vaidoso. Também como o menino, enxergava jibóias que haviam engolido elefantes e carneiros onde as pessoas grandes só viam chapéus e caixas; e procurava cuidar do seu planeta com toda assiduidade e estima.

Entretanto Alice não era uma camaleoa comum, queria sempre mais, e o que era para ser uma bênção acabou, não sem razão, se tornando sua cruz: Podendo se transformar em semi-deusa a hora que quisesse, ela perguntava ao príncipe, como se permitir ser qualquer outra coisa? E ela adorava ser semi-deusa, cada dia se transformava numa diferente. Se deliciava com uma variedade de poderes que ia descobrindo e os vivenciava com uma fome de curiosidade de criança.

Também adorava se transformar em mágica. Da sua cartola, então, tirava suspiros e sorrisos. Adorava sumir com as dores das pessoas. Outra coisa que amava fazer era repintar o cenário de seu planetinha. No céu da mágica Alice, tinha um sol que jamais parava de brilhar durante o dia, umas duas ou três nuvens de algodão, que a pequena adorava comer no fim de tarde. A noite, tinha uma lua que era sempre cheia, e que iluminava sutilmente o ambiente, emprestando-lhe seus tons ouro. A grama, era verde feito desenho animado e os animais, sempre saltitantes...

Acontece que a pequenina também queria se transformar em outras coisas, mas culpava-se por considera-las menos grandiosas. Dizia:

-Imagine Pequeno Príncipe, ser porra louca, viajar mundos e conhecer coisas inimagináveis, com o objetivo apenas de sobreviver. Ou então, irresponsável, pense realeza, não ter hora pra dormir nem compromisso para cumprir, não ia ser massa?

...Quanta festa seria se ela se permitisse transformar em egoísta, por um dia ao menos, para fazer o que quisesse sem levar em consideração os impactos dessa ação na vida dos outros. Mas então ela pensava que não precisava aumentar esses números, pois já existiam tantos momentos nos quais ela era egoísta sem saber (ou conseguir evitar) e outros tantos em que machucava os outros sem querer-querendo, apenas por ser ela mesma.

Ainda que as vezes desejasse isso, tendo todo o poder de mudança do mundo em suas mãos, como Alice poderia escolher ser uma simples mulher de negócios, uma bêbada, uma geógrafa, uma acendedora de lampiões, uma rainha ou uma vaidosa? Pior, e se Alice gostasse e abrisse mão dos seus prazeres cotidianos de semi-deusa? E se se transformasse numa das pequenas coisas que ela considerava e não quisesse mais ser mágica?

O pequeno príncipe entendia a profundidade e relevância das perguntas da cuidadosa camaleoa, mas sem ter as respostas adequadas, ou quaisquer comentários que confortassem a jovem, resolveu partir, reconhecendo que as vezes ser gente grande tendo alma de criança é mais difícil que apenas ser gente grande.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

post solto, mas não por acaso.

Estou retocando um post, enquanto ele não vem, uma reflexão:

"A nossa vida de adultos reduz-se a dar esmolas aos outros. Vivemos todos da esmola alheia. Desperdiçamos a nossa personalidade em orgias de coexistência." Bernardo Soares, pseudonimo do Fernando Pessoa

ps: Comentário solto, mas não por acaso: Bernardo Soares e eu somos almas gêmeas.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

TOP 10 BEATLES

1) Eleanor Rigby (versão do El Clube de Tobi)
2) Blackbird (versão da Sarah McLachlan)
3) I’m only sleeping
4) Strawberry Fields Forever
5) Nowhere man
6) Hello goodbye
7) I’m looking through you
8) Across the universe (versão do Rufus Wainwright)
9) You’ve got hide your love away
10) Cry Baby Cry

domingo, 17 de agosto de 2008

AUTOCRÍTICA

Ainda que eu reconheça a subjetividade das pessoas (e de todo o mais derivado delas), continuo perseguindo e me apoiando em supostas verdades.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Eu falo das casas e dos homens

Estava conversando sobre a postura do governo carioca, que priorizou cuidados com a candidatura do Rio a copa de 2014 em detrimento da segurança pública, e sobre a parcela de culpa que a sociedade tem nessa história em função de sua íncrivel capacidade de não se chocar e de sua passividade infinda. Por coincidência acabei revendo esse poema que tem tudo a ver com o tema e resolvi compartilhar em razão da contemporaneidade do assunto.

Ei-lo:

Eu falo das casas e dos homens,
dos vivos e dos mortos:
do que passa e não volta nunca mais...
Não me venham dizer que estava materialmente previsto,
ah, não me venham com teorias!
Eu vejo a desolação e a fome,
as angústias sem nome,
os pavores marcados para sempre nas faces trágicas das vítimas.


E sei que vejo, sei que imagino apenas uma ínfima,
uma insignificante parcela da tragédia.
Eu, se visse, não acreditava.
Se visse, dava em louco ou profeta,
dava em chefe de bandidos, em salteador de estrada, - mas não acreditava!


Olho os homens, as casas e os bichos.
Olho num pasmo sem limites,
e fico sem palavras,
na dor de serem homens que fizeram tudo isto:
esta pasta ensanguentada a que reduziram a terra inteira,
esta lama de sangue e alma,
de coisa a ser,
e pergunto numa angústia se ainda haverá alguma esperança,
se o ódio sequer servirá para alguma coisa...


Deixai-me chorar - e chorai!
As lágrimas lavarão ao menos a vergonha de estarmos vivos,
de termos sancionado com o nosso silêncio o crime feito instituição
e enquanto chorarmos talvez julguemos nosso o drama,
por momentos será nosso um pouco do sofrimento alheio,
por um segundo seremos os mortos e os torturados,
os aleijados para toda a vida, os loucos e os encarcerados,
seremos a terra podre de tanto cadáver,
seremos o sangue das árvores,
o ventre doloroso das casas saqueadas,
- sim, por um momento seremos a dor de tudo isto...

Eu não sei porque me caem as lágrimas,
porque tremo e que arrepio corre dentro de mim,
eu que não tenho parentes nem amigos na guerra,
eu que sou estrangeiro diante de tudo isto, eu que estou na minha casa sossegada,
eu que não tenho guerra à porta,
- eu porque tremo e soluço?
Quem chora em mim, dizei - quem chora em nós?


Tudo aqui vai como um rio farto de conhecer os seus meandros:
as ruas são ruas com gente e automóveis,
não há sereias a gritar pavores irreprimíveis,
e a miséria é a mesma miséria que já havia...
E se tudo é igual aos dias antigos,
apesar da Europa à nossa volta, exangue e mártir,
eu pergunto se não estaremos a sonhar que somos gente,
sem irmãos nem consciência, aqui enterrados vivos,
sem nada senão lágrimas que vêm tarde, e uma noite à volta,
uma noite em que nunca chega o alvor da madrugada...


Casais Monteiro, autor dessa obra, se naquela época já chorava, sou incapaz de presumir o que ele faria na nossa época!