sábado, 14 de junho de 2008

Gênese...

Alguns esclarecimentos antes de tudo que está para vir:
1) Não acredito em verdade universal. Mas acredito na minha, porque a sinto, e tento não ignorar a dos outros.
2) Não pretendo ser didática. Escrevo para desabafar, praticar essa arte e divulgar meus pensamentos; e não para criar discípulos.
3) Não me admire! Eu não sou eu. Sou apenas uma colecionadora bem sucedida de almas.









O primeiro post:

Primeiro começou com a instituição família, em seguida com os laços de parentesco, depois com as instituições escrita e escola; quando eu nasci, já haviam mil coleiras em forma de instituição. Tudo teria sido mais fácil se eu não fosse tão resistente ao adestramento convencional, mas isso não significa que eu não seja adestrada: para os teimosos têm sempre os planos B e C.

O Plano B tem duas linhas de atuação: a primeira consiste na disseminação da idéia de que você nunca desenvolve seu potencial humano quando vive sozinho. Quantas coisas conquistaram os homens pré-históricos? Frequentemente só o suficiente para eles viverem, o que já seria suficiente, se não fosse aquém do nosso potencial. Pois bem, eles se juntaram, e hoje temos carros, temos superprodução de produtos e de informações, temos globalização e estamos a beira de descobrir outras formas de vida interplanetárias...Em suma, o trade-off é esse: você sozinho, conseguindo o mínimo para viver, ou você em grupo, e o céu é o limite? A segunda vertente do plano B atua na marginalização do individuo que resiste em se encaixar aos moldes convencionais. Você não consegue criar laços identitários com outros grupos porque não possui coisas em comum com a gente comum. Pelo mesmo motivo, as pessoas do grupo não te reconhecem como parte dele. Como existe essa incompatibilidade mútua, você, o marginal, para não abaixar sua auto-estima por não fazer parte do grupo (num mundo no qual tudo gira em torno de grupos), acaba criando ou potencializando os defeitos daquele espaço afim de minimizar sua culpa por não participar deles. Os grupos, por sua vez, para afirmarem uma série de características que possuem e que unem seus membros, rechaçam as diferenças, como se a diferença representasse uma ameaça aquele modus vivendis. A finalidade desse plano é fazer com que os marginais repensem sua posição, optando por ignorar suas diferenças e criando, artificialmente, características que os aproximem destes grupos.

O Plano C é para aqueles que mantém seus posicionamentos, mesmo depois da investida do plano B. Para estes, são criados grupos que se enquadrem a seus perfis. Acontece que esses grupos se encontram também a margem. As pessoas aí experimentam a sensação de fazer parte de algo, mas não conseguem interagir com os outros grupos.

Já passei pelos planos B e C. Sou diferente! E “a mim” foram dados uma série de grupos com os quais me identifico: mulheres libertárias (com ressalvas), adoradores de filmes asiáticos, das pessoas que não sabem qual seu veredicto sobre a existência ou não de deus (e nem se importam com isso), entre outros.

No princípio, foi muito bom encontrar pessoas como a gente. Saber que alguém compartilhava dos meus sentimentos e ideais. Saber que não estava sozinha! Depois foi desesperança. Reconhecer meu pertencimento a estes grupos é saber que o controle social adentra todas dimensões da vida e que contra ele não há nada que se possa fazer. Reconhecer que não fui adestrada do modo convencional é uma vitória pessoal, mas saber que ainda sim fui adestrada, é angustiante.

Me desespera saber que agora as mesmas coisas que eu vou notar num filme como “A Maça” serão comuns a outras pessoas, não porque elas também acham isso, mas porque sofremos o mesmo processo de adestramento. Me desespera ainda mais saber que agora, enquanto grupo, temos um rótulo a defender e que isso provocará constrangimentos a pessoas, que para fazer parte do nosso grupo serão capazes de mentir e de se anularem. Os primeiros versos da música “Circo Místico” de composição de Chico Buarque são bem ilustrativos nesse sentido: “Não/ Não sei se é um truque banal/ Se um invisível cordão/ Sustenta a vida real”. Somos marionetes sim, e até o “vilão” é.

E o que me mais me desconsola nessa história toda é que não consigo reconhecer nada em mim que seja genuinamente meu! Minha visão de mundo e alguns sentidos físicos (paladar e visão, por exemplo) são resultados do meu pertencimento transversal a grupos (social, econômico e cultural, por exemplo). E até o modo como eu guardo (e dou) amor para as pessoas foi socialmente criado.

2 comentários:

Pedro Carné disse...

Enfático. Nada melhor para começar um novo blog. Fiquei surpreso com a conexão que algumas frases tiveram com o depoimento que te fiz... Ainda acho surpreendente a nossa afinidade...

Lanço minha mais ingênua esperança na história que este blog inicia!!

Um beijo carinhoso...

Pedro Carné

Anônimo disse...

Acreditar que tudo é socialmente construído me dói, pois não consigo conceber que não há nada meu em mim mesma... Minha personalidade me obriga a ser genuína, pelo menos em alguma parte obscura...