segunda-feira, 16 de junho de 2008

Metáforas

Assim como algumas brincadeiras (há quem acredite que todas brincadeiras), as metáforas escondem verdades. O objetivo das últimas é passar um conteúdo através de uma comparação implícita, numa apelo estilístico ou em nome de uma explanação mais clara e ilustrativa.

Entretanto, também como as brincadeiras, as metáforas nem sempre são entendidas. Fico me perguntando como as pessoas não conseguiram ver que o livro “A metamorfose”, de Franz Kafka, era uma grande metáfora das relações humanas. Pessoalmente, conforme eu lia a obra eu não conseguia deixar de pensar num tio que, conforme foi se tornando problemático, foi sendo gradativamente abandonado pela família, como se ele tivesse se tornando o próprio bicho kafkaniano.

Outra metáfora bastante expressiva para mim (segue abaixo) foi extraída do livro “Ave, palavra”, de Guimarães Rosa. Ela demonstra que as escolhas pautadas em valores morais considerados “corretos” nem sempre são isentas de conseqüências ruins e que a opção pela omissão, em alguns casos, pode não ser reprovável. Ele mostra o quão difícil é o processo de tomada de decisões e quantas dimensões ele engloba. Tudo isso numa reflexão dramática e provocativa.

Zôo
Uma cascavel, nas encolhas*. Sua massa infame.
Crime: prenderam, na gaiola da cascavel, um ratinho branco. O pobrinho se comprime num dos cantos do alto da parede de tela, no lugar mais longe que pôde. Olha para fora, transido, arrepiado, não ousando choramingar. Periodicamente, treme. A cobra ainda dorme.
Meu Deus, que pelo menos a morte do ratinho branco seja instantânea!
Tenho de subornar um guarda, para que liberte o ratinho branco da jaula da cascavel. Talvez ainda não seja tarde.
Mas, ainda que eu salve o ratinho branco, outro terá de morrer em seu lugar. E, deste outro, terei sido eu o culpado.
(*) nas encolhas: retraída, imóvel.
(Fragmentos extraídos de "Ave, palavra", de Guimarães Rosa)

Um comentário:

Pedro Carné disse...

Salve Guimarães Rosa! E parabéns pelo seu segundo texto! Não pude não lembrar de vários textos que foram escritos acerca da metáfora pelos mais diversos filósofos, a começar por Nietzsche em uma "verdade e mentira no sentido extra-moral"...

Um emorme beijo e uma mordida na sua voz...

Pedro Carné